[Opinião] ONGs e agendas de desenvolvimento rural na Guiné-Bissau

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[Artigo de opinião] Djibril Iero Mandjam

A intervenção das ONGs na Guiné-Bissau tem dado saltos impressionantes, podemos comparar o período antes da abertura democrática com o presente e vamos encontrar inúmeras diferenças. Antes da abertura, organizações não governamentais eram muito mais de caráter assistencialista, faziam sempre o mesmo trabalho, distribuição de alimentos, vestuário e material para higiene. Depois da abertura, anos 90, elas começaram a apresentar um poder enorme de articulação, podendo influenciar, inclusive, na vida política do país. Disso é possível destacar o caráter militante dessas instituições, elas percebem que sua interferência nas comunidades deve ser muito maior que oferecer ajuda, mas sim, dar ferramentas para que as pessoas das comunidades criem seus próprios caminhos.
Por isso, o que se exige de uma ONG moderna, por assim dizer, é a capacidade de apresentar um corpo de colaboradores profissionalizado e competente, sempre dando força ao lado militante de sua atividade, e na situação específica de Guiné-Bissau, nunca abrindo mão da democracia. O espaço democrático não pode ser perdido nem que seja em poucos centímetros.
Após o conflito político militar de 1998, posso dizer que as ONGs se tornaram parte da história de Guiné-Bissau, pois após o fim do conflito o estado ficou falido, foram as instituições não governamentais que levaram dignidade onde o estado não conseguia chegar. Essa tradição ficou mantida, e hoje as ONGs são o complemento do estado, principalmente no interior do país. Isso tem seu lado bom que todos já conhecem, mas também há o lado ruim. Tais instituições têm tanto poder de troca política que acabam virando, em alguns casos, entidades do poder paralelo. Conseguem facilmente competir com o estado guineense e diminuir sua influência nas tabancas.
Minha ideia é focar no lado bom e acreditar que as pessoas que estão por trás dessas instituições são responsáveis.
Como já falei, essas organizações jogam sempre no topo da sociedade guineense, são atores sociais que influenciam a existência da vida no país. Gosto sempre de lembrar quem trabalha em ONGs que é preciso ter em mente a construção da agenda local. É por meio da agenda local que é possível dar força nas comunidades, incentivando o povo das tabancas a buscarem políticas públicas, e quando não existe uma política pública é papel das ONGs incentivar o diálogo entre estado e população. Pois só uma relação saudável entre o estado e o povo é capaz de construir um elo real na unidade nacional. Tenho a impressão que as ONGs que não buscam criar agendas de compromissos, não estão realmente preocupadas com a independência do país.
Perante tudo isso, olhando para as questões sociais, econômicas e culturais, é fácil concluir que realmente é necessário cada vez mais consolidar a capacidade das ONGs. Buscando permitir o diálogo permanente com as estruturas públicas em conceber agendas viradas ao desenvolvimento nas tabancas, tendo um mecanismo de coordenação e concertação com atores externos, possibilitando que as políticas públicas nacionais e políticas de cooperação sejam medidas de convergência social nas comunidades rurais.
Estou falando de um modo que dá a impressão que o estado de Guiné-Bissau precisa apenas de espaço para trabalhar, mas não é assim, basta lembrar que a instabilidade política continua sendo um elemento constrangedor que não favorece em nada a vida da população. Se todas as ONGs saíssem hoje de Guiné-Bissau, na verdade, seria impossível para o governo implementar políticas públicas sozinho. Nosso estado é frágil e não está imbuído de recursos que lhe garantem autonomia.
Por isso, é necessário ter em consideração a reciprocidade de relação e confiança com as ONGs, é com ajuda delas que nós podemos consolidar um espaço mais democrático e um estado forte em Guiné-Bissau. Deste ponto de vista, a intervenção das ONGs deve ser no sentido de prometer não só a interpelação dos atores políticos a criarem um quadro mais favorável, mas apoiar as próprias estruturas públicas ao nível descentralizado a terem maior proximidade junto da população e com mais coerência nas suas intervenções; acompanhando expectativas das populações a tempo com instituições públicas que têm essa responsabilidade de pilotar as agendas de políticas públicas nas tabancas.
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Djibril tem 30 anos, nasceu em São Domingos, norte de Guiné-Bissau. É jornalista na Rádio Nacional de Guiné-Bissau. Ativista dos direitos humanos e foi vencedor do prêmio, Jornalismo e Direitos Humanos na Guiné-Bissau, no ano de 2016. Em 2021 foi vencedor do concurso nacional sobre jornalismo de investigação do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD) e do Consórcio Mídia Inovação e Comunicação Social (CMICS). Dentre as outras funções de Djibril está o cargo de diretor geral da Rádio Comunitária Kasumai de São Domingos, e também, o cargo de conselheiro de atividades urbanas do Projeto de Ajuda Anônima em Guiné-Bissau.

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